Oscar Pereira da Silva (1867-1939). Desembarque de Cabral em Porto Seguro. OST. Acervo Museu Paulista-USP.
O Direito, a História e a Genealogia são três ramos do conhecimento humano que se entrelaçam de modo admirável, mas isto ainda é pouco conhecido e divulgado. Em decorreência da fragmentação dos saberes científicos no século XX, legatário do cientificismo do século XIX, há profusão de níveis de especializações nas ciências, em especial para as áreas, subáreas e linhas de pesquisa das ciências sociais e humanas.
Como de hábito, há prós e contras para essa realidade fenomênica. Se por um lado se perdem algumas noções holísticas da vida em sociedade, por outro ampliam-se correntes teóricas necessárias à compreensão da diversidade antropológica e cultural dos povos, nações, etnias, religiões e instituições.
HISTÓRIA
MEMÓRIA
ANCESTRALIDADE
VERDADE
CIDADANIA
Ao direito de conhecer em plenitude àqueles que nos precederam nas sociedades e culturas às quais pertencemos e com eles (re)criarmos os laços necessários para a construção cotidiana de nós mesmos, temos chamado Direito às Origens e à Ancestralidade.
Conforme o Prof. Bruno Antunes de Cerqueira tem exposto, o Direito às Origens e à Ancestralidade está diretamente relacionado a direitos fundamentais basilares, como o direito ao nome (civil, registral e social), o direito à memória e à verdade, o direito à “arvore genealógica” e aos vínculos familiares, o direito ao pertencimento étnico — e o direito conseguinte ao resgate histórico-cultural de elementos da etnicidade.
Acesse aqui a palestra sobre Direito às Origens e à Ancestralidade proferida pelo Prof. Bruno Antunes de Cerqueira na OAB – Seccional Distrito Federal, no âmbito de evento da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões, em 22 de maio de 2023: https://youtu.be/ORaoPkQOCZY
Imensamente almejado e buscado pelos brasileiros italodescendentes, lusodescendentes ou germanodescendentes — entre outros —, o direito de requerer a cidadania europeia é uma das maiores demandas jurídicas no âmbito do que costumamos chamar de “Direito Genealógico”.
A obtenção da cidadania de um país estrangeiro é um processo complexo, com regulamentos e requisitos distintos em cada nação. Sendo diversas as formas de aquisição de cidadania nos países europeus, em todas se impõe, todavia, a importância dos estudos jurídico-histórico-genealógicos no âmbito do processo administrativo específico. O direito de adquirir a cidadania europeia pela via da descendência de um ancestral conhecido e devidamente documentado pode ser uma grande conquista para indivíduos e famílias no Brasil atual.
Por outro lado, o direito ao “duplo pertencimento cidadão” pode e deve ensejar reflexões aos brasileiros que também se queiram reconhecer não somente como euro-americanos, mas como afro-americanos, ásio-americanos e sobretudo ameríndios.
Ramo do Direito Civil-Constitucional que visa reparar graves violações aos direitos humanos praticadas ao longo da história, o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça se baseia em correntes teóricas que souberam qualificar a chamada “Justiça de Transição”, para efeito de alterações de regimes políticos, mas que serve igualmente, no caso brasileiro, para a transição do trabalho escravo ao trabalho livre, em fins do Oitocentos.
O direito humano a não esquecer os horrores da escravidão trissecular e a não esquecer os crimes das ditaduras militares da República (1889-1894; 1937-1945; 1964-1985) torna-se um imperativo categórico para a cidadanização dos brasileiros. Não se trata de fomentar revanchismos ou massificar preconceitos de fundo étnico, racial ou de classe, mas de evidenciar justamente o abafamento e o escamoteamento das facetas cruéis da sociedade brasileira, herdeiras de processos históricos longos e persistentes.
“Direitos dos Povos Indígenas” (DPI) — nem Direito Indígena, nem Direito Indigenista — parece ser o nome mais adequado para o ramo eminentemente histórico e antropológico da ciência jurídica que enfoca o conjunto de direitos dos povos indígenas paulatinamente reconhecido pelos países europeus que impuseram o processo de colonização na África, América, Ásia e Oceania ao longo dos séculos XV ao XX.
As construções hermenêuticas dos Direitos dos Povos Indígenas passam necessariamente pelo reconhecimento dos Estados nacionais legatários do colonialismo de que existem epistèmes e universos mentais e culturais diversos dos dos colonizadores e que às nações de “Novo” ou “Novíssimo” Mundo (América e Oceania) cabe não somente reconhecer mas solidificar a condição pluriétnica e multicultural de suas sociedades, de modo a viabilizar o gozo dos direitos de cidadania indígena.
DPI não se confundem com os direitos étnicos particulares dos povos indígenas, sendo clara, de outro lado, a necessidade de o Poder Judiciário reconhecer a particularidade das normas intraétnicas para efeitos processuais.
Ramo novíssimo na seara dos Direitos Humanos Internacionais, no que se refere às constantes sistematizações e criação de jurisprudência normativa, os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais (DPCT) se assemelham aos Direitos dos Povos Indígenas (DPI), sendo certo que há diferenças entre eles.
Os povos e comunidades tradicionais se dividem em infinidade de grupos no caso do território brasileiro: quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, caiçaras, faxinalenses, comunidades de fundos de pasto, geraizeiros, vazanteiros, piaçabeiros, pescadores artesanais, pantaneiros.
Grupos particularmente invisibilizados no século XX e que agora se tornam cada vez mais empoderados são os povos de terreiro e todos os demais grupos de religiosidade/espiritualidade afro-brasileira.
Outro grupo numericamente importante e desprezado são os “ciganos”, isto é, os povos Romani (Calon, Gitano, Quico ou outros).
Alargando o conceito, há ainda as comunidades tradicionais de descendentes de imigrantes europeus e asiáticos dos séculos XIX e XX, muitas delas bastante organizadas em matéria institucional: pomeranos, suiço-alemães, austríacos, polacos, russos, lituanos, ucranianos, nipônicos, árabes, judeus, itálicos em geral, germânicos em geral. Cada grupo tem suas tradições próprias, regras de convívio, sociabilidade religiosa etc.
O Brasil é signatário da Convenção n. 169/1989, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adotada em Genebra, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002, promulgada em 19 de abril de 2004 por decreto presidencial. A convenção cuida dos interesses dos povos e comunidades tradicionais e é a grande baliza para a proteção e promoção dos direitos de povos que historicamente foram oprimidos por agentes da colonização em seus próprios territórios. Nela, as definições de “povo indígena” e “povo tribal” são intercambiáveis, quando se trata de defender essas comunidades da ação deletéria da exploração de sua força de trabalho.
Para efeitos políticos, o que importa ressaltar é que as comunidades e povos tradicionais se definem de modo autoconsciente e autorreferente, como aponta o item 2 do art. 1º da Convenção: “A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.”.
Cabe aos Estados-nação desenvolverem, “com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.”. Em outras palavras, sem que sejam forçados a se tornar idênticos aos demais nacionais, os povos tradicionais exercerão a plena cidadania quando puderem agir sem nenhuma restrição a sua etnicidade (ou cultura) no bojo da sociedade envolvente, sem sofrer marginalização e exploração.
O mais sagrado dos direitos de personalidade, no âmbito do Direito Civil-Constitucional, é o direito ao nome. Toda pessoa tem direito àquilo que chamamos de nome, que seria o “nome” mais o “sobrenome”. De acordo com a exegese do art. 11 do Código Civil brasileiro (lei 10.406/02), os direitos de personalidade são absolutos, intransmissíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis. Qualquer exceção para esses direitos fundamentais da pessoa humana tem de estar expressa em Lei. O Código Civil brasileiro entende o direito ao nome enquanto tal, para não ensejar conjecturas: “Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.”
O nome do indivíduo também pode ser composto por outras designações que não aquela estatuída em seu registro de nascimento, como, por exemplo, um nome artístico, o que nos textos genealógicos é comum chamarmos de cognome. Assim é que o ator Lima Duarte se chama, registralmente, Ariclenes Venâncio Martins, ou a atriz Fernanda Montenegro, Arlette Pinheiro Monteiro (Torres, pelo casamento).
O direito ao uso público do nome social vem se afirmando na sociedade brasileira há muitas décadas. Nos dias atuais, os movimentos pela defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+ também impuseram o respeito à diversidade de gênero nessa seara, de modo que os nomes e prenomes podem sofrer alterações nos casos em que se comprove a necessidade de adequação à realidade anímica daquele sujeito.
Em 28 de abril de 2016, foi promulgada importante norma para os casos concretos no âmbito da Administração Pública da União, o Decreto Presidencial nº. 8.727/2016, que determinou aos órgãos federais que “em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento” (art. 2º) e que “Os registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração […] deverão conter o campo “nome social” em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos” (art. 3º)”.
Ainda no que concerne ao direito antroponímico, salientamos a importância do direito ao nome étnico (etnônimo), que se deve garantir aos povos indígenas e também aos povos tradicionais.
O Direito das Famílias e das Sucessões é o ramo jurídico especificamente voltado para os inumeráveis conflitos decorrentes das relações entre os indivíduos naquilo que constitui a base das sociedades, ou seja, as famílias.
Em que pese a sua categorização para efeitos didáticos enquanto “direito privado”, trata-se evidentemente de uma especialidade jurídica voltada à normatização das práticas e dos procedimentos vinculados às regras relativas a casamento, dissolução da união conjugal, tutela e curatela de membros das famílias, direitos patrimoniais hereditários (etc.), que são normas públicas.
Conforme preceitua a Profª. Drª. Maria Berenice Dias, o Direito das Famílias deve levar em conta “particularíssimas características”, fazendo-se imperioso considerá-lo como um microssistema jurídico, a merecer tratamento legal autônomo, um código apartado da codificação civil. Daí a inovadora ideia de a ciência da família ter estrutura interdisciplinar autônoma, na procura de analisar e explicar dimensões da vida familiar conjunta e possivelmente encontrar regularidades na conexão entre família e sociedade.
O Direito do Consumidor é o ramo jurídico que cuida da proteção dos direitos fundamentais do cidadão em suas relações de consumo com os fornecedores. Ele surge de previsão constitucional presente no inciso XXXII do art. 5º e no inciso V do art. 170 da nossa Constituição, que reconhece o desequilíbrio jurídico na relação de consumo desfavorável ao consumidor.
Por esse motivo, o Código de Defesa do Consumidor, em acato à Constituição da República, prevê normas de extrema relevância social para a defesa da autêntica manifestação de vontade do consumidor e de seus direitos fundamentais (como segurança, saúde, privacidade).
Direito eminentemente cidadanista, o Direito do Consumidor se afigura misto entre as dimensões privada e pública do Direito brasileiro, apresetando-se como uma das mais hábeis alternativas de acesso à justiça por parte dos hipossuficientes, combatendo, assim, o atraso civilizacional brasileiro em matéria de proteção aos desfavorecidos no âmbito jurisdicional.
Nos países em que a Revolução Industrial é mais antiga e aprofundada, os direitos dos consumidores a pagarem o preço justo por mercadorias de qualidade e rechaçarem a má prestação de serviços é uma realidade completamente díspar da brasileira, razão pela qual houve inovações jurídicas como a da inversão do ônus probante (Lei 8.078/1990) e a própria criação de um sistema de proteção ao consumidor.
Nesse sentido, o nosso escritório atua pelo melhor interesse do consumidor e na proteção de seus direitos face aos abusos e falhas dos fornecedores diante de sua frágil situação.
Ramo do Direito que cuida dos interesses de príncipes reinantes ou destronados, o Direito Dinástico é um conjunto de normas consuetudinárias escritas – positivadas em Estatutos ou Tratados – e não escritas, que vige no seio das dinastias, as quais se constituem em agrupamentos familiares seculares ou milenares.
Direito histórico e genealógico, o Direito Dinástico se vale amplamente das normas constitucionais dos Estados em que a casa (real, imperial, principesca ou outra) tenha sido chamada a governar uma nação, ou conjuntos delas, mas tal como ocorre com os Direitos dos Povos Indígenas, trata-se de um ramo jurídico em que as normas internas devam receber tratamento relativamente isonômico quando eventualmente colidentes com o Direito Público ou Privado do Estado em questão.
O Direito Dinástico é uma das bases para a chamada “devolução do trono” ou “devolução da coroa”, que no caso clássico da monarquia medieval francesa, consistia no conjunto de regras estatuídas nas “leis fundamentais do Reino” para a sucessão do rei morto. Regras sucessórias como a da primogenitura absoluta ou relativa ou a chamada “lei sálica de sucessão” são todas matéria de Direito Dinástico e provocaram, ao longo dos séculos europeus, sucessivas guerras.
Similar ao Direito Dinástico, mas destoante deste por se tratar do “direito dos nobres” e não do “direito dos príncipes”, o ramo jurídico que cuida, dentre outros temas, de assuntos referentes ao porte de brasões de armas, às sucessões de títulos de nobreza, às muitas regras atinentes ao emprego dos nomes de família em cada sociedade que possuiu uma aristocracia hereditária, o Direito Nobiliárquico permanece existente mesmo nas repúblicas, como é o caso português ou o francês.
Em Portugal, o Instituto de Nobreza Portuguesa, sucessor administrativo do antigo Conselho de Nobreza de Portugal, prescreveu em 13 de junho de 2004, no início de sua organização estatutária, na seção “Generalidades”, que “O direito nobiliárquico a aplicar pelo Instituto da Nobreza Portuguesa é o vigente em Portugal em 4 de Outubro de 1910.” (art. 1º) e que “É reconhecida especial força às normas consuetudinárias, ao costume e aos usos e praxes, como fontes do direito nobiliárquico.” (art. 2º).
No Brasil, o Direito Nobiliárquico nada teve de dessemelhante ao lusitano, mesmo que no senso comum os próprios historiadores acreditem que a nobreza brasileira não era hereditária, pelo fato de que os títulos foram emitidos pelos monarcas (D. Pedro I, D. Pedro II e D. Isabel, enquanto regente) na modalidade “de uma vida”, como se costumava designar. Em outras palavras, os títulos concedidos pelos monarcas brasileiros eram considerados ad personam. A verdade, contudo, é que a nobreza brasileira era sucessora e legatária da nobreza portuguesa, justamente pelo fato de a Casa de Bragança ter reinado no país antes, durante e após a independência nacional.
As normas públicas de Cerimonial e Protocolo variam em cada Estado-nação, mas elas possuem algo em comum: a proveniência história na etiqueta ou nas “regras de trato social”, como prelecionavam Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979) ou Miguel Reale (1910-2006).
No caso brasileiro, o ato mais recente que estatui e regulariza “as normas do cerimonial público e a ordem geral de precedência” é o Decreto Presidencial nº. 70.274/1972, não apenas obsoleto, mas extremamente errático em vários aspectos doutrinários. Para aqueles que, no Brasil, atuam como chefes, assessores ou agentes de Cerimonial, ou mesmo como mestres de cerimônias em eventos privados, o decreto influi de modo ineficaz, haja vista sua obsolescência e o ranço da época em que foi criado — a última ditadura civil-militar da história brasileira (1964-1985).
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