De onde viemos? Você já se fez essa pergunta em algum momento da sua vida?
Nos últimos anos, temos observado um aumento significativo na demanda por “testes de DNA” para análise da ancestralidade dos indivíduos e das famílias, além do interesse por estudos genealógicos. Esse fenômeno reflete a crescente curiosidade das pessoas em relação as suas raízes, histórias familiares e conexões com diferentes regiões geográficas do mundo, além da herança étnica.
Em paralelo a esse movimento, temos inserido no Brasil o debate em torno do Direito às Origens e à Ancestralidade.
O escritório Bruno Antunes de Cerqueira entende que o Direito às Origens e à Ancestralidade está diretamente relacionado a direitos fundamentais basilares, como o direito ao nome (civil, registral e social), o direito à memória e à verdade, o direito à “arvore genealógica” e aos vínculos familiares, o direito ao pertencimento étnico — e o direito conseguinte ao resgate histórico-cultural de elementos da etnicidade. Em resumo, ter direito às origens significa ter o direito ao autoconhecimento por intermédio da história genealógica.
Nesse sentido, inauguramos no bojo de nossas atividades os chamados “Projetos de Ancestralidade”, que consistem em uma monografia que busca analisar, a partir de pesquisas de cunho histórico-jurídico e histórico-genealógico, quem são as pessoas que compõem a ancestralidade do cliente e de seus familiares e parentes.
Não se trata apenas de evidenciar possíveis origens étnicas ou nacionais, como, ainda de maneira incipiente, fazem os mapeamentos de ancestralidade/etnicidade disponíveis no mercado, mas de comprovar efetivamente os vínculos parentais com as origens desconhecidas e importantíssimas para a individuação, processo psicológico por meio do qual o humano consegue construir de modo mais sólido sua personalidade, aprendendo a lidar com heranças ancestrais conscientes ou inconscientes e sabendo rejeitar as danosas e acolher as benfazejas,
O Projeto de Ancestralidade se diferencia de um estudo estritamente genealógico, à medida que não se limita apenas ao estudo geracional, mas também busca compreender as origens sociais e culturais de forma mais ampla dos antepassados.
Por meio do Projeto de Ancestralidade é possível conhecer quem eram seus ancestrais e compreender os fenômenos históricos e sociais que favoreceram os encontros geracionais e quais papeis exerciam essas pessoas na sociedade.
É um trabalho complexo, transdisciplinar, que, a depender do caso, necessita recorrer a diversas áreas do conhecimento, em especial: História (internacional, nacional, regional e local); História Oral; Genealogia Genética; Genealogia Social; Sociologia; Antropologia; Psicologia; Relações Internacionais; Arquivologia; Museologia.
Contudo, os resultados dos Projetos de Ancestralidade são extremamente gratificantes e podem transformar a vida de famílias inteiras. Existem pessoas que possuem inumeráveis falhas na série de registros civis em relação aos seus ascendentes, tanto em matéria de nomes (“sobrenomes”), quanto em matéria de prenomes. Os estudos de natureza histórico-genealógica e histórico-jurídica ensejam não somente a correção/retificação dos erros sucessivos, como indicam o direito à chamada “dupla cidadania”. Com isso, solucionam problemas que seriam impossíveis de se resolver apenas por pesquisas cartorárias.
O Brasil é sem dúvida um dos países mais miscigenados do mundo e conta com imensa população afrodescendente e amerindiodescendente. São povos que sofreram durante o nosso processo histórico de colonização uma série de ataques à sua ancestralidade, seja pelas migrações forçadas, os extermínios e até pela forma procedimental de batizar os escravizados, que jamais levou em consideração seus etnônimos, a aplicou-lhes nomes devocionais, forçando a alteração identitária. Não há necessidade de demonizar nenhum processo histórico herdado do passado, mas é forçoso reconhecer que há uma dívida ainda maior com os descendentes daqueles que, em maioria, foram os mais sacrificados no bojo da colonização, seja das terras, seja dos corpos humanos.
Neste sentido, executar os Projetos de Ancestralidade também permite desvendar processos que não são adstritos a um indivíduo ou a uma família, e sim ao conjunto dos cidadãos e cidadãs do Brasil.
Nosso escritório rejeita a ideia, que tem sido divulgada, de que brasileiros negros e indígenas não tenham direito às origens e à ancestralidade e, particularmente, direito à “árvore genealógica”. Se há dificuldades para obter dados dos antepassados africanos ou ameríndios de todos os brasileiros, também os há na obtenção de dados das mulheres, pois pelo costume português, muitas delas não possuíam senão prenomes. Nada disso, contudo, impede o Projeto de Ancestralidade.
Os Projetos de Ancestralidade também possibilitam o direito à memória, à verdade e à eventual reparação, típicas da Justiça de Transição. Pessoas conseguem resgatar não apenas os nomes dos seus antepassados, mas compreender os processos que levaram à desagregação dos vínculos familiares. São resgatadas histórias de violências e arbitrariedades promovidas pelo Estado, como as perseguições, prisões e mortes durante as ditaduras militares por que o Brasil passou.
São inúmeras as possibilidades que decorrem do conhecimento das suas origens.
“Testes de DNA” para análise da ancestralidade
Conforme dissemos, é visível o aumento da procura dos mapeamentos genéticos fornecidos por empresas como a MyHeritage ou a Genera, com objetivo de analisar a ancestralidade. Essas coletas de dados genéticos, que anteriormente eram associados principalmente à investigação de paternidade e questões médicas, agora desempenham um papel fundamental em ajudar as pessoas a entenderem sua herança ancestral de maneira mais profunda.
A curiosidade em relação à ancestralidade é motivada por diversos fatores. Em uma sociedade cada vez mais globalizada, muitas pessoas têm raízes em várias partes do mundo, seja por migração recente ou antiga. Essa mistura de culturas e origens desperta o desejo de compreender melhor a própria identidade e a história de suas famílias. Além disso, a busca por ancestralidade está intrinsecamente ligada ao desejo de pertencimento e de construir uma narrativa pessoal mais rica e conectada.
No entanto, é importante ressaltar que esses mapeamentos têm suas limitações. Eles não oferecem uma imagem completa da história familiar ou ancestral de alguém, já que a história humana envolve migrações, cruzamentos e fluxos genéticos complexos ao longo do tempo. Além disso, a confiabilidade desses testes depende da variedade de dados genéticos utilizados pelo laboratório. Ou seja, só seria plenamente efetivo caso o laboratório possuísse amostras significativas de populações que fizeram parte dos locais habitados no passado pelos indivíduos atuais.
Tudo se torna ainda mais complexo quando o objeto do estudo é uma população miscigenada como a brasileira, que envolve povos indígenas os mais díspares e povos europeus, asiáticos e africanos igualmente diversos. Ainda é inicial, mesmo que esteja avançando, o mapeamento genômico que nas últimas três décadas tem sido levado a cabo por grandes grupos laboratoriais privados e públicos, no hemisfério norte. De modo que os bancos de dados ainda não revelam de modo incisivo as origens dos indivíduos, sendo necessária a pesquisa histórico-jurídica e histórico-genealógica para desvendar os verdadeiros mistérios que há por detrás das descobertas genéticas.
Outro conjunto de dados ainda muito necessitado de pesquisa é a etnicidade dos antepassados, já que a mera referência a uma localidade no mapa global não significa a verificabilidade em relação ao ancestral e, sobretudo, sem dados históricos e jurídicos, a própria existência desse “avoengo”, termo técnico antigo dos genealogistas para designar um avô ancestral.
Ainda assim, os “testes de DNA” são ferramentas fulcrais na complementação de estudos histórico-jurídico-genealógicos à medida que permitem comprovar materialmente alguns dos resultados dos estudos implementados, inclusive demonstrando, como se sabe, os “matchs” entre indivíduos, passando a comprovar laboratorialmente a condição de primos entre as pessoas.
Era muito comum no Brasil dos tempos coloniais, imperiais e mesmo na República, quando os registros civis se tornaram obrigatórios, que a paternidade dos indivíduos fosse ignorada. Sem dúvida, os “filhos naturais”, ou “filhos de mães solteiras”, ou frutos de “uniões espúrias” sofreram todo tipo de marginalização social. Hoje o ordenamento jurídico impõe o reconhecimento legal de uma paternidade que fora negada a alguém ao longo de sua biografia, justamente pelo império moral-objetivo do direito humano e fundamental ao nome e à ancestralidade.
O que é melhor?
Para identificar o que é melhor, é preciso definir o seu objetivo. Caso o seu interesse seja em conhecer sem muita profundidade as suas possíveis origens, sem o conhecimento da sua história familiar e a identificação dos ascendentes, é possível que um “teste de DNA” para mapeamento da ancestralidade ou etnicidade, como alguns laboratórios inclusive já têm nomeado, seja capaz de suprir a sua necessidade.
No entanto, se o seu interesse é conhecer minuciosamente a sua ancestralidade, seja para dar entrada em um processo de cidadania em outro país, seja para comprovar vínculo familiar com outras finalidades, ou mesmo para alcançar um grau considerável de autoconhecimento e resgatar a memória da sua família e do seu povo ou grupo étnico, é fundamental o desenvolvimento de um Projeto de Ancestralidade.
Quer saber mais sobre o Direito às Origens e à Ancestralidade? Assista ao vídeo da nossa palestra realizada na sede da OAB-DF em 22 de maio de 2023, disponível no canal “História do Brasil Como Você Nunca Viu”: https://youtu.be/ORaoPkQOCZY